terça-feira, outubro 31, 2006

Marquito viu Jesus!

Aconteceu de Jesus entrar na minha casa. Minha vida mudou. Passei a enxergar o mundo de uma outra forma.

Jesus era o nome do pedreiro que a Mônica arrumou para fazer uma reforma no banheiro de casa, quando morávamos na Vila Olímpia em São Paulo. Fiz inúmeras descobertas naquele momento. A primeira delas é que Reforma é que nem o Conde Drácula. Não sei se você sabe, mas na mitologia do Vampiro, ele não entra na sua casa a não ser que você convide. Uma vez lá dentro, no entanto, só sai depois de sugar todo o seu sangue. Reforma é a mesma coisa, ela só vem para sua casa se você chamá-la, e não sai mais a não ser que tenha exaurido todas as suas energias.

A reforma do banheiro era para durar coisa de duas semanas e durou quase três meses. Naquela época eu trabalhava em casa. Então foram três meses de martelação, cimento, pó, pedreiros e uma sujeira inomivável que se alastrava progressivamente pela casa e que, ao final, ocupava praticamente todos os espaços. Isso sem falar que o trabalho de pedreiro tem um planejamento digno de um ministério suíço. De meia em meia hora o cara vinha te interromper porque “acabou o durepox”, ou “vai precisar de um conector do cano”, ou sei lá o que. De nada adiantava você insistir com coisas tipo “mas é só isso mesmo que precisa?”, porque na hora o cara diz que sim e meia hora depois vem com nova demanda.

Mas talvez o que mais mexeu com minhas concepções de mundo limitadas foi fato de que o pedreiro trazia o filho dele para ajudá-lo, algumas vezes. Um sujeito que atendia pelo nome de “Lindo” (nome mesmo, não era apelido). Então eu chegava da rua, entrava em casa, olhava aquele sujeito do meu tamanho e dizia: “Oi Lindo”.

Foram tempos difíceis estes quando encontrei Jesus. Graça a Deus, depois de 3 meses, ele foi embora e nunca mais o vi.

(Fernando Navarro)

segunda-feira, outubro 30, 2006

Os segredos do voto; ou das razões do voto australiano

(10-29-2006)

O segredo funciona em uma eleição como proteção contra o escrutínio do poder, do dinheiro e da opinião. O voto no Brasil é australiano, secreto como eles inventaram por lá. Aqui, o segredo do voto está amparado no direito constitucional de exercê-lo secretamente, para que nem familiares, nem patrões ou colegas de trabalho, nem mesmo amigos mais próximos possam exercer sobre ele a vigilância que, na democracia, somente ao povo cabe exercer e somente sobre os governos por ele eleitos; jamais sobre eleitores que, como eu, cumpriram seu dever de contribuir para o resultado eleitoral.

Meu voto foi secreto. Distante do mundo das adesões públicas e das escusas a posteriori para interesses a priori, ele nunca, entretanto, se distanciou do republicanismo que legitima uma maioria no segundo turno. Elegi exercer esse dever democrático de forma secreta. Sorrateira, diriam uns. Como os segredos que envolvem a masturbação. O segredo do voto é o direito à vergonha no exercício do dever cívico, sem que se deseje expor a público a opinião emitida nesse exercício. O voto pode ter cúmplices, como o sexo, mas como a masturbação, ele pode ser sigiloso, até mesmo quando todos sabem que é exercido por todos. Pode ser traumático às vezes, é verdade. Mas é docemente secreto. Sinto um súbito pudor vitoriano tomando conta de mim...

O voto de hoje me causou sentimentos cáusticos. A cabine era clara, mas o voto foi obscuro. Foi oculto. Secretamente, eu exercia o que me era constitucionalmente garantido exercer como segredo. E, supreendentemente, era daí que eu derivava o maior dos meus prazeres cívicos. O poder, o mandonismo, a coerção física, econômica, ou, no meu caso, simplesmente a opinião, especialmente a da maioria, não era capaz de corromper o meu modesto gesto republicano de cumprir o dever de participar do jogo representativo da democracia brasileira.

Votei e não me arrependo do voto que votei. Mas desta vez sinto que não escolhi votar.

Escondido de todos ficará esse voto. É um segredo que talvez um dia, vaidosamente, eu queira revelar; ou que talvez já esteja revelado nessa declaração velada de voto. Mas o Brasil hoje ao meu redor não me dá vontade de contar em quem votei. Pra ninguém. E não adianta perguntar. O meu voto é australiano. Ele é secreto.

quinta-feira, outubro 26, 2006

Pessoa I

A criança que pensa em fadas e acredita nas fadas
Age como un deus doente, mas como um deus.
Porque embora afirme que existe o que não existe
Sabe como é que as cousas existem, que é existindo,
Sabe que existir existe e não se explica,
Sabe que ser é estar em um ponto
Só não sabe que o pensamento não é um ponto qualquer.

Pandemia


Não vivemos uma crise dos sonhos. Sonhamos coisas diferentes.
Não queremos que nossos sonhos se tornem realidade.
Queremos uma realidade melhor para sonharmos sonhos mais belos.
O que queremos é uma crise dos pesadelos.

Pandemia é a nossa contribuição.
O virus está solto.

A/RJ/01/06(H5N1)