segunda-feira, outubro 30, 2006

Os segredos do voto; ou das razões do voto australiano

(10-29-2006)

O segredo funciona em uma eleição como proteção contra o escrutínio do poder, do dinheiro e da opinião. O voto no Brasil é australiano, secreto como eles inventaram por lá. Aqui, o segredo do voto está amparado no direito constitucional de exercê-lo secretamente, para que nem familiares, nem patrões ou colegas de trabalho, nem mesmo amigos mais próximos possam exercer sobre ele a vigilância que, na democracia, somente ao povo cabe exercer e somente sobre os governos por ele eleitos; jamais sobre eleitores que, como eu, cumpriram seu dever de contribuir para o resultado eleitoral.

Meu voto foi secreto. Distante do mundo das adesões públicas e das escusas a posteriori para interesses a priori, ele nunca, entretanto, se distanciou do republicanismo que legitima uma maioria no segundo turno. Elegi exercer esse dever democrático de forma secreta. Sorrateira, diriam uns. Como os segredos que envolvem a masturbação. O segredo do voto é o direito à vergonha no exercício do dever cívico, sem que se deseje expor a público a opinião emitida nesse exercício. O voto pode ter cúmplices, como o sexo, mas como a masturbação, ele pode ser sigiloso, até mesmo quando todos sabem que é exercido por todos. Pode ser traumático às vezes, é verdade. Mas é docemente secreto. Sinto um súbito pudor vitoriano tomando conta de mim...

O voto de hoje me causou sentimentos cáusticos. A cabine era clara, mas o voto foi obscuro. Foi oculto. Secretamente, eu exercia o que me era constitucionalmente garantido exercer como segredo. E, supreendentemente, era daí que eu derivava o maior dos meus prazeres cívicos. O poder, o mandonismo, a coerção física, econômica, ou, no meu caso, simplesmente a opinião, especialmente a da maioria, não era capaz de corromper o meu modesto gesto republicano de cumprir o dever de participar do jogo representativo da democracia brasileira.

Votei e não me arrependo do voto que votei. Mas desta vez sinto que não escolhi votar.

Escondido de todos ficará esse voto. É um segredo que talvez um dia, vaidosamente, eu queira revelar; ou que talvez já esteja revelado nessa declaração velada de voto. Mas o Brasil hoje ao meu redor não me dá vontade de contar em quem votei. Pra ninguém. E não adianta perguntar. O meu voto é australiano. Ele é secreto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Achei muito fértil a comparação entre o voto secreto e a masturbação. Dá para considerar inclusive uma conciliação entre as duas , pois o biombo da urna eleitoral proporciona a privacidade necessária a tais atividades, mesmo que simultaneamente.